Os anos 1980 passaram para a história econômica do Brasil e de países da América Latina como a década perdida. A profunda crise que se instalou resultou em quedas do PIB, aceleração da inflação, desemprego elevado e perda do poder de compra. Com a retração do consumo em vários setores, incluindo o de alimentos, as vendas de caldos – preparações para dar sabor aos pratos – apresentavam crescimento tímido, por vezes até estagnação.

Era nesse cenário adverso que duas empresas competiam para manter seus volumes de vendas: Knorr e Maggi. A instabilidade econômica jogava por terra as tentativas de driblar a crise e obter bons resultados. Para manter o nível de vendas, a única saída era conquistar os consumidores do concorrente e ampliar a fatia de mercado da empresa. A estratégia escolhida para dar conta desse desafio foi investir na comunicação.

A Nestlé colocou nas mãos da Norton a missão de criar uma campanha que fizesse da Maggi uma marca querida. A aposta da agência foi dar vida à Galinha Azul, já conhecida das caixas dos produtos, transformando-a na personagem que estrelaria uma campanha multiplataforma. A Galinha Azul passou, então, a ser a protagonista de peças publicitárias em que vivenciava com graça e leveza várias situações do cotidiano. Este case traz o caminho de uma campanha que usou muitas formas de apresentação e, de forma criativa, conseguiu superar o contexto econômico e mercadológico difícil de um período recente da história econômica brasileira.

NESTLÉ

Sydney Manzione – ESPM-SP

Uma das campanhas mais emblemáticas do setor de comunicação e marketing brasileiro foi a criada pela Norton para aumentar o market share da Maggi. A companhia pretendia avançar no mercado da Knorr, que propagava: ‘“Knorr é melhor”’. Pesquisas indicavam que as marcas eram muito similares e haviam transformado a categoria numa commodity, que não permitia grandes voos de parte a parte. Produtos semelhantes, preços parecidos, posicionamentos muito próximos, execuções operacionais eficientes para ambas, tudo levava a um cenário já sedimentado, difícil de ser alterado.

Dada a proximidade entre os produtos, havia pouca possibilidade de encontrar atributos diferenciadores que pudessem ser usados em um novo posicionamento da Maggi, ainda mais um que fosse capaz de motivar os consumidores da concorrente a migrar para a Maggi. A maior participação da Knorr garantia maior share of mind e, claro, mais vantagens na exposição dos produtos, principalmente nos pontos de venda. Era um quadro difícil de romper, mas a crise dos anos 1980 trouxe novas motivações.

A Norton, agência criativa de grande expressão, enxergou que o caminho para o crescimento estava no reposicionamento da marca e na sua comunicação. A Nestlé vislumbrou que poderia criar um personagem a partir da Galinha Azul, inserida na embalagem. E assim foi feito com o auxílio da Norton. A agência deu vida a um personagem de forte empatia com o público, permitindo sua utilização em variadas frentes – em campanhas de televisão, patrocínios, shows internacionais e, até mesmo, de forma jocosa, nas páginas da revista Playboy. Com um personagem forte, que permitia o ataque em variadas frentes, a Norton usou as mais diversas – algumas inusitadas – formas de mostrá-lo. Para aqueles que fizeram a campanha à época, resta a dúvida:  como ficaria essa campanha nos dias de hoje? Quais plataformas poderiam ser usadas pela Galinha Azul?

A GALINHA AZUL

Desde 1962, a Maggi atua no Brasil por meio da Nestlé, sempre apresentando crescimento. Os volumes de vendas de caldos, se não tinham números estratosféricos, ao menos mostravam que o consumidor vinha se adaptando bem ao novo conceito. Os produtores de caldos mostraram haver entendido – e atendido – as necessidades do consumidor brasileiro, mesmo se levando em consideração que o então posicionamento do produto e o segmento que o consumia haviam mudado.

Com características nutricionais bem definidas, os caldos eram dirigidos às classes trabalhadoras do fim do século 19, quando as mulheres entraram de forma mais significativa no mercado de trabalho. Supriam duas dificuldades – a falta de tempo das mulheres para cozinhar e o exíguo orçamento das famílias para manter uma alimentação nutritiva. Tanto é fato que muitos operários da época sofriam de desnutrição. Os caldos (e as sopas) passaram a atender então outras expectativas, como rapidez e diversificação culinária.

Com volumes constantemente crescentes e com a curva de ciclo de vida ainda em ascensão, não havia uma necessidade imperativa de ações mercadológicas diferenciadas ou agressivas. Os produtores permaneciam em uma zona de conforto.

EM NÚMEROS

No Brasil, a década de 1980 gerou uma série de planos econômicos na tentativa de combater a estagnação e uma inflação galopante, que empurrava o país para o endividamento. A população, fortemente atingida pelo desemprego, passou a ter menor poder aquisitivo e, com isso, os volumes de vendas de uma série de gêneros alimentícios, como os caldos, registraram significativas quedas.

Durante todo o período de coexistência, as marcas Knorr, da empresa Refinações de Milho Brasil (Corn Products, hoje Unilever), e Maggi, da Nestlé, respondiam por 95% a 97,5% do mercado. A participação de mercado de Maggi era de 40% contra 57,5% de Knorr.

Como o mercado era muito concentrado, “roubar” consumidores da concorrência significava declarar guerra a um gigante, pois apenas duas marcas eram importantes, as demais tinham uma participação residual. Como o mercado havia encolhido, devido à queda no consumo, a única forma de manter o volume de vendas era “roubar” uma fatia de mercado do concorrente. Não havia mais uma zona de conforto, pois manter a mesma participação significava vender menos.

A Galinha Azul foi a criação de um “ícone” para fugir da disputa Knorr/ Maggi, em que, por mais que se promovesse e divulgasse a marca Maggi, para a consumidora sempre restava a mensagem subliminar de que “Knorr é melhor”. A Galinha foi introduzida para definir a disputa de share of mind entre as duas marcas.

Do ponto de vista de execução, a situação era muito equilibrada: os preços similares e a alta capilaridade de distribuição. Tanto é fato que perto de 90% dos autosserviços do Brasil vendiam caldos. Mas o merchandising era feito de forma “morna” por ambos os lados. Só restava apostar na comunicação como diferencial.

O primeiro dado analisado foi o share of mind dos produtos. A diferença, nesse caso, era descompassada em relação ao market share: Knorr tinha algo perto de 75% de share of mind, e Maggi perto dos 25%. Resumindo, a marca Knorr era a mais lembrada, o que fazia com que todos os esforços em operação não surtissem efeito. O aumento da estocagem do produto no varejo levaria a um encalhe de produto no estoque e não a um giro maior.

Havia uma saída: baixar os preços, o que não interessava a nenhuma parte, pois com volumes decrescentes, uma redução de preço e, portanto, de margem significaria lucros menores. Não era interessante que a Maggi reduzisse o valor, pois isso refletiria na marca. Além do que, certamente, acabaria numa guerra de preços. Qualquer estratégia levava a um caminho: trabalhar a comunicação.

Mas, qual o posicionamento? As embalagens eram iguais, as promessas similares, os produtos parecidos e os preços semelhantes. Estudando o caso, havia um ponto interessante que poderia ajudar: em 1976 foi adotado como símbolo do produto (ao menos para o caldo de galinha) a Galinha Azul e o azul da nobreza, o caldo nobre, foi um dos “achados”.

Cabe ressaltar que o caldo de galinha representava 65% do mercado, enquanto o de carne (na época só existiam os dois sabores) os 35% restantes. Daí a estratégia se concentrar no caldo de galinha que, ao aumentar o equity da marca, “puxaria” seu irmão, o caldo de carne.

Por posicionamento, usou-se o caldo nobre, como se o produto fosse feito de galinhas “de primeira linha”, enquanto a embalagem do produto sugeria à Norton que havia um personagem a ser explorado: a Galinha Azul.

A Galinha Azul é um case em que o diferencial da embalagem propiciou a criação de um personagem e o consequente diálogo entre as consumidoras usuárias do produto e o produto. Isso em categoria extremamente “comoditizada”, ou seja, sem diferenciais reais.

A agência sabia, no entanto, que não bastava a galinha aparecer, afinal, o concorrente dizia que “Knorr é melhor” e continuaria a ser, não fosse a galinha algo mais forte. Havia um personagem. O divisor de águas foi dar vida e personalidade a um personagem que só existia na embalagem e passaria a fazer parte dos esforços de propaganda e promoção (Knorr era suscetível a ações promocionais).

Considerou-se, dessa forma, a necessidade de agir com promoções nos pontos de venda. Após 17 promoções feitas por Maggi, basicamente com brindes, no ano anterior à estreia da Galinha Azul na campanha, a Norton propôs uma ação pouco usada para a época: a transferência da ação para a mídia. O público-alvo selecionado para as atuações da galinha era o de classes econômicas B e C, mais afeitos ao uso do produto.

Criado o personagem, dando a ele, ou a ela, uma personalidade atraente e leve, entre abril e junho de 1988 foi lançado o Grande Concurso da Galinha Azul, dividido em quatro fases. O consumidor deveria acertar a letra de Maggi que a galinha escolheria. O resultado mostrou que o caminho adotado era certo: foram mais de 25 milhões de cartas recebidas. Era a conhecida promoção “come letras”.

A Norton criou, como primeira ação promocional, o “come-letras” da palavra Maggi, que consta do trabalho, mas não diz que este primeiro movimento foi feito com o objetivo de ligar a Galinha à marca. O resultado foi um sucesso, já que o Nielsen apontou no final da promoção a subida da Maggi ao primeiro lugar de vendas, o que não acontecera nos 26 anos anteriores de disputa dessas marcas.

A propaganda se valeu da credibilidade e da popularidade do ator Lima Duarte para conquistar a empatia das classes eleitas como target para o produto. O pós-teste da propaganda mostrou um recall de 54% para Maggi e 17% para a categoria caldos. Após anos, as pesquisas mostravam que o consumidor conseguia diferenciar perfeitamente as marcas. Essa ação elevou a participação de Maggi para 44%.

Na sequência das atividades, fez-se um product placement (merchandising televisivo) na novela Vale Tudo. Raquel, personagem de Regina Duarte, participa de um concurso culinário cuja receita vencedora é o Frango Nobre que, claro, leva caldo da Galinha Azul na composição. Ainda para a novela Vale Tudo, foi lançado o concurso “Quem matou Odete Roitman?”. No intervalo comercial, após as cenas que revelaram a assassina, foi sorteada a carta vencedora. Foram perto de três milhões de cartas. A campanha contemplou também inserções em rádio, revista, e até no programa Viva a Noite, de Gugu Liberato. O apresentador levava o público a cantar e dançar a música da Galinha Azul.

Durante as eleições, foram veiculados teasers que foram ao ar com a galinha discursando como candidata, atingindo recall de 41%, superior ao da maioria dos candidatos. As veiculações e atividades continuaram: testemunhais (baseados em resultados de pesquisa) em rádio, dança da Galinha Azul no carnaval de 1989, continuação da participação da Galinha Azul no programa do Gugu, agora como uma das atrações principais; e a aparição da personagem patrocinando o programa Cidade contra Cidade no programa Silvio Santos, além de promoções para o quadro “Porta da Esperança” do dia das mães, na qual foram entregues quatro carros Gol e uma casa.

Explorando novas formas de veiculação aliadas à promoção, a figura da Galinha Azul aparecia por cinco segundos em diversos momentos, ao longo da programação do SBT e o telespectador escrevia dizendo quando ela apareceu. Durante quatro semanas foram sorteadas cartas e três delas ganhavam prêmios em dinheiro. Outra inovação foi a presença da Galinha Azul no então famoso show internacional de patinação no gelo, o Holliday on Ice, com apoio de outdoor (“A mais nova atração do Holliday on Ice”), quando, além de patrocinar o show, a Galinha Azul se apresentava.

Dentro de uma iniciativa de comunicação integrada, a campanha privilegiou também as ações em pontos de venda, integrando as equipes comerciais, para as quais havia um programa de incentivos. A distribuição de material de merchandising pelas lojas também foi intensificada, aumentando a exposição do produto, inclusive com cartazes da receita do Frango Nobre.

No campo das promoções, foram muitas as iniciativas como a de duas latas de Creme de Leite Nestlé com uma caixa de caldo da Galinha Azul, vale-brindes de aparelhos de jantar e toalhas de mesa, móbile da Galinha Azul com estrela, criado para o Natal, distribuição de bottons. As ações promocionais nos supermercados foram as mais variadas, entre elas a que a Galinha Azul botava um ovo e, conforme a cor dele, o cliente tinha direito a um tipo de prêmio. A promoção duplicava e triplicava as vendas do supermercado participante.

A campanha do caldo da Galinha Azul se mostrou eficaz. Houve aumento significativo de participação de mercado que acabou levando a Maggi à liderança. Com o abandono dessa linha de atuação em função de políticas internacionais da companhia, não houve sustentação dessa liderança por muito tempo. A campanha da Galinha Azul conseguiu reverter o “marketing share”, trazendo para a Maggi a liderança do mercado de caldos. Os efeitos positivos da campanha alavancaram as vendas do caldo de carne, bem como de outros “filhotes” como a linha de sopas infantis do pintinho azul.

NESTLÉ

Foi em 1866 que Henri Nestlé, a partir de experimentos para a criação de um alimento, usando leite, farinha de trigo e açúcar, chegou à Farinha Láctea Nestlé e ao fundamento da própria empresa. Lançando o produto no ano seguinte, criou a Société Nestlé. Adotou como símbolo o ninho, que figurava no brasão da família Nestlé, utilizado como marca da empresa que surgia.

Em paralelo, os irmãos Charles e George Page, americanos, criaram a Anglo-Swiss Condensed Milk Company, empresa especializada em produzir leite condensado.

Apenas nove anos após o lançamento do produto na Suíça – e, portanto, da fundação da Nestlé – o Brasil começou importar o produto.

As empresas continuaram suas operações quando, em 1874, antes, portanto, da importação do produto pelo Brasil, Jules Monnerat comprou a Société Nestlé, mantendo-a em forte concorrência com a Anglo-Swiss, até que, em 1905, ambas se fundiram, gerando a Nestlé and Anglo-Swiss Condensed Milk Company.

A empresa continuou a crescer com forte cunho expansionista, tanto que, em 1921, inaugurou sua primeira fábrica no Brasil, em Araras, Estado de São Paulo, com a produção de leite condensado. O produto deveria ser (e era então) diluído em água para ser utilizado como leite, porém, já na ocasião foi usado como ingrediente culinário para o preparo de doces.

O nome que aparecia no rótulo era Milkmaid (na fase de importação) e, ao lado do nome, estava a figura da moça leiteira que acabou por fazer com que o produto fosse chamado de “o leite da moça”. A Nestlé, a partir de 1930, colocou no rótulo do produto “Leite Condensado Marca Moça”, nome que acabou vingando e se consolidando até o final dos anos 1930.

Nessa época foi instalada no Rio de Janeiro a primeira sede da empresa. Em 1923 a Nestlé passou a importar o Creme de Leite Nestlé e, no ano seguinte, na fábrica de Araras, começou a produção de farinha láctea.

A expansão dos negócios gerou a instalação da primeira filial da Nestlé no Brasil, na cidade de São Paulo, denominada São Paulo Office, no ano de 1925. A necessidade de garantir matéria-prima e expandir sua fabricação fez a Nestlé, em 1927, adquirir a Sociedade Anonyma Companhia de Laticínios Santa Rita e Indústria de Laticínios Santa Ritense, transformando-a em seu primeiro posto de recepção de leite no Brasil, na cidade de Santa Rita do Passa Quatro (SP).

O crack da bolsa de Nova York e seus reflexos na economia brasileira fizeram com que o café, principal produto de exportação do Brasil, tivesse um grande excedente de produção, visto que a demanda havia se reduzido sensivelmente. Com o intuito de aproveitar esse excedente, o governo encomendou à Nestlé uma pesquisa que levou à tecnologia de produção do café solúvel, então lançado na Europa, nos Estados Unidos e na Argentina no ano de 1938, só sendo fabricado no Brasil em 1953 em função da pressão dos produtores de café, que não queriam a concorrência.

Em 1942, a Nestlé já abria um canal de comunicação com o consumidor, o Serviço de Colaboração Familiar e, em 1943, adotou práticas de merchandising em vitrines de mercearias e farmácias. Em 1954, nos primórdios da televisão, a empresa veicula seus primeiros comerciais para os produtos Leite Moça, Nescafé, Nescau e Ninho.

No ano de 1962, a companhia trouxe para o Brasil os produtos da marca Maggi, tanto sopas quanto caldos, e, no ano seguinte, expandiu a comercialização da marca para grandes consumidores, como restaurantes, padarias, hotéis e hospitais. Em 1976, a Galinha Azul foi introduzida como símbolo, substituindo o pintinho Piu-Piu. Nessa linha de atuação, em 1978 foi lançado o Sopão e, em 1979, a linha Ideia Culinária Maggi.

Em constante expansão, diversos lançamentos foram realizados e marcas famosas foram adquiridas, como Perrier (que agrega as marcas São Lourenço e Petrópolis), Confiança, Tostines, Balas Kids e Sing’s, isso ainda no início da década de 1990. Nessa época formou-se a equipe de vôlei Leite Moça que, em 1996, passou a se chamar Leites Nestlé.

Nos anos 2000, expandindo sua área de atuação, a Nestlé adquiriu a marca americana Ralston Purina de alimentos para cães e gatos.

Em 2002 foi criada a Dairy Partners Americas – DPA, aliança estratégica entre a Nestlé e a empresa New Zealand’s Fonterra Cooperative Group Ltd. A partir de então, passou a ser a responsável, nas Américas, pela captação de leite fresco e produção de leite em pó, além da comercialização de produtos refrigerados e líquidos envasados em UHT (creme de leite e achocolatados).

Já em 2010, iniciou-se o patrocínio da Nestlé à Seleção Brasileira de Futebol até a Copa do Mundo de 2014. O ano de 2011 foi o da comemoração dos 90 Anos da Nestlé Brasil.

Uma das maiores empresas de produtos alimentícios do mundo, a Nestlé atua em diversas frentes com grande multiplicidade de linhas de produto. É uma empresa pioneira no uso das mais diversas formas de técnicas de comercialização e marketing.

MAGGI

Julius Michaël Johannes Maggi, suíço de origem italiana, fez diversas experiências com legumes proteicos, criando diferentes tipos de farinhas para o preparo de sopas. Isso aconteceu no ano de 1868. Seu objetivo era criar um alimento barato que, além de nutritivo, pudesse ser estocado por longo tempo. Aos seus experimentos, Julius agregou a descoberta de que a proteína da carne podia ser substituída por ervilhas e lentilhas. Faltava a forma para ser comercializada.

O crescente emprego de mulheres em fábricas e a consequente falta de tempo para cozinhar, além do grande número de operários com desnutrição, levaram o Dr. Schuler a pedir a Julius que desenvolvesse uma comida vegetal de fácil preparo e digestão. Ele era médico e inspetor de fábricas, que se dedicava a estudar as condições de vida das pessoas que trabalhavam nas indústrias, representando a Swiss Public Welfare Society (Sociedade Pública Suíça do Bem-Estar). A partir disso surgiram as sopas pré-prontas, baseadas em farinhas de legumes, nos sabores de ervilha e feijão, comercializadas a partir de 1896.

As sopas eram vendidas nos formatos rolo, semipronta e instantânea de preparo fácil (bastava acrescentar água quente e cozer por algum tempo), sendo rica em proteínas e acessível às classes mais pobres. Sua comercialização começou na Suíça, logo se espalhando pela Europa (entre 1887 e 1889, a Maggi abriu várias filiais em Paris, Milão e Amsterdã, além de manter depósitos em Berlim, Viena, Londres e Nova York). Julius havia encontrado um segmento de mercado e soube explorá-lo.

Nesse mesmo ano da ideia da sopa, Julius desenvolveu o tempero de sopa, colocando-o numa garrafa âmbar com uma faixa amarela, que imprimiu fama mundial ao produto, com suas tradicionais cores vermelha e amarela, usadas até hoje. O tempero Maggi é considerado o primeiro produto de marca do mundo.

A receita do produto é, ainda hoje, secreta e a embalagem quase não mudou em mais de cem anos. Sabe-se, somente, que o tempero é composto de água, proteínas de trigo e soja, sal, extrato de levedura e aromatizante.

Continuando a expansão, inclusive com uma fábrica na Alemanha, na virada do século, a Maggi lançou o caldo desidratado instantâneo, na forma de cubos. Substituía o tempo longo de preparo de caldos à base de carne, auxiliando no preparo tanto de sopas quanto de pratos salgados, além de ser mais fácil de conservar e estocar do que os ingredientes de um caldo ou do próprio caldo.

Após a morte de Julius, a Maggi foi transformada em uma sociedade geral, a Allgemeine Maggi-Gesellschaft ou Société Générale Maggi.

No ano de 1936, o tempero de sopas e as sopas de carne eram encontrados na forma de tabletes e, dois anos depois, outra linha desenvolvida por Julius – os lácteos – representava perto de 80% do faturamento da empresa, que vendia perto de 2 milhões de cubos e 10 toneladas de sopas ao ano.

Após ser comercializada em boa parte da Europa, em 1940 a Maggi entrou no mercado americano. Logo após a crise econômica do pós-guerra, em 1947, foi adquirida pela Nestlé.

MAGGI NO BRASIL

A partir de 1962, os produtos Maggi passaram a ser comercializados no Brasil, iniciando seu portfólio com sopas desidratadas em quatro diferentes sabores (creme de legumes, carne com conchinhas, creme de ervilhas com bacon e galinha com fidelini) e dois tipos de caldos em tabletes (galinha e carne), além de duas versões de temperos desidratados (Fondor e Gril). Logo em sequência, em 1963, começaram as atividades da Nestlé Professional, com produtos da marca Maggi, para atender ao mercado dos grandes consumidores, como restaurantes, padarias, hotéis e hospitais.

Em 1976, foi lançada a campanha do Caldo Maggi que introduziu a Galinha Azul como símbolo, substituindo o Pintinho Piu-Piu. Dessa ocasião em diante, a empresa lançou diversos produtos, inovando a cada ano.

Foi assim com o Sopão, em 1978, um prato para toda a família, mais completo e substancioso, com rendimento de até seis porções (até então, as sopas desidratadas eram divididas entre claras, cremosas e infantis); a Ideia Culinária, em 1979; pratos Maggi, em 1991; e sopas Meu Instante, DeCasa e Light, em 2000.

Em 2001, surgiu a Maggi Delícias de Frango (linha reforçada em 2003 com Delícias de Carne); em 2003, Bem Estar Maggi e o tempero granulado Maggi Meu Segredo; em 2004, o caldo em pó Bem Estar Maggi e o caldo de picanha; em 2005, as Sopas Crescimento Maggi – produtos desenvolvidos com os nutrientes essenciais para auxiliar no crescimento das crianças; em 2008, o caldo de Carne com sabor Vinho e caldo e caldo com sabor Leite de Coco com Pimentão e Coentro.

Atualmente, a linha de produtos da Maggi conta com mais de 100 itens, composta de sopas, caldos, temperos, bases culinárias, molhos desidratados, pratos semiprontos e massas instantâneas. A produção da Maggi é feita nas fábricas de São José do Rio Pardo, no estado de São Paulo, e Feira de Santana, na Bahia.

BRASIL NOS ANOS 80

Os anos 1980 encontraram um Brasil em grande transformação. Foi denominada a década perdida, em que praticamente todos os países da América Latina enfrentaram sérios problemas econômicos, convivendo com PIBs de baixo crescimento, quando não apresentaram quedas.

Foram anos, principalmente no Brasil, que se tornaram um contraponto ao milagre econômico da década anterior. Cultivando inflações desde a década de 1930, os anos 1980 veem os índices inflacionários do país atingirem níveis exorbitantes.

Em paralelo ao problema econômico, o Brasil clamava pelo fim da ditadura militar e pela abertura política. A luta pelas “diretas já” culminaria, nos estertores da década, na eleição, se bem que ainda indireta, de Tancredo Neves. Este, por sua vez, não assumiu o cargo, vindo a falecer antes da posse. José Sarney, seu vice, chegou à Presidência da República com a dupla tarefa de coordenar um ministério que não fora composto por ele e, ao mesmo tempo, mostrar ao povo que era confiável, uma vez que, na condição de conservador de direita, apoiara os militares.

Seu grande desafio era combater a inflação, que corroía os salários e desestimulava os investimentos e o aporte de capital estrangeiro. O quadro político mudou. Uma nova Constituição foi promulgada, com vários impactos no cenário político e social.

De 1980 a 1993, o Brasil chegou a ter quatro moedas diferentes, acompanhadas por cinco congelamentos de preços, fora 54 mudanças na política de preços, além de nove diferentes planos de estabilização econômica.

O vilão da inflação era combatido de todas as maneiras, inclusive na manipulação de dados: chegou-se, naquele período, a ter onze diferentes índices de medição da inflação. O efeito da inflação gerou 16 políticas salariais.

Outra grande vilã da economia nacional era a dívida externa, que teve aumentos galopantes em função do serviço dessa dívida; foram geradas 21 propostas de pagamento da dívida externa. A alta dos juros internacionais, desde 1979, e os problemas ligados à administração da dívida externa marcaram então um crescimento nunca visto das taxas inflacionárias no país.

Em 1982, o México declarou uma moratória que “assustou” os investidores e, com isso, o afluxo de capital estrangeiro parou.

Na metade da década, no ano de 1986, já durante o mandato de Sarney, o primeiro governo não militar desde 1964, três zeros da moeda foram cortados, transformando o cruzeiro em cruzado. Ao mesmo tempo houve congelamento de preços e de salários, que só eram reajustados quando o “gatilho salarial” era disparado, e isso ocorria quando a inflação atingia 20%: era o Plano Cruzado. É dessa época a figura do “fiscal do Sarney”: a população, as mulheres principalmente, denunciavam os aumentos de preços.

Os efeitos do plano duraram pouco, de tal forma que em 1987 o ministro da Fazenda, Bresser Pereira, criou o plano econômico que recebeu seu nome: Plano Bresser. Não surtiu efeito, tanto que em 1989 é lançado o Plano Verão, cortando, novamente, três zeros da moeda, que passou a ser denominada cruzado novo.

A despeito dos diversos planos, e soltando um represamento de custos, o reajuste da gasolina atingiu 614% em 1989, e a inflação acumulada atingiu seu maior patamar: 1.782,8%.

Em março de 1990, assumiu o governo Fernando Collor de Mello que, continuando com sequência de tentativas de conter a inflação e estabilizar a economia, lançou o Plano Collor, alterando novamente a moeda que voltou a ser chamada de cruzeiro, confiscando a poupança e os depósitos bancários superiores a 50 cruzeiros de toda a população por 18 meses. O plano foi um fiasco, como também o subsequente Plano Collor II.

Se os anos 1980, do ponto de vista econômico, foram uma década complicada, com alta inflação e alto endividamento externo, do ponto de vista político e social houve avanços.

Foi promulgada uma nova Constituição em 1988 que, em que pese seus possíveis erros e pretensões, ao menos soterrou os abusos e aberrações do regime anterior. O consumidor ganhou voz e passou a ser mais respeitado quando, no final da década, foi criado o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Foi um período de ebulição, de preparo para sedimentação democrática e transparência.

Na educação, aconteceram também alguns progressos, mesmo em se considerando os altos índices de evasão, de repetência e de analfabetismo: o indicador internacional de alfabetização, que considera o número de pessoas maiores de 15 anos que não sabem ler e escrever era, em 1980, de 26%, caindo para 18,8% no final da década, em 1989.

Demograficamente, a expectativa de vida da população nessa década foi acrescida de cinco anos, o que é um número expressivo. Ao mesmo tempo houve queda nos índices de mortalidade e de desnutrição infantil.

Outros índices mostram que a década, a despeito de seus problemas econômicos, proporcionou progressos para o país. Por exemplo, na expansão dos serviços públicos, com 81,6% dos moradores das cidades, no final dos anos 1980, tendo abastecimento de água no interior de suas casas e 53% possuindo instalação sanitária de uso exclusivo, ligada à rede geral, além de coleta de lixo para 78,5%.

Com o país “acostumado” a viver sob o jugo da inflação, o emprego não estagnou, pelo contrário, o número de postos de trabalho, naquela década, cresceu continuamente a uma taxa de 3,5% ao ano, superior aos 2,1% de crescimento populacional ao ano. Do ponto de vista absoluto, a população economicamente ativa teve uma evolução de 45,5 milhões, no ano de 1981, para 62,1 milhões em 1990, ou seja, um acréscimo de mais de 16 milhões de novos postos de trabalho, o que representa um crescimento de mais de 35% na força de trabalho do período.