CASES & CAUSOS
Décio Clemente
Atua na área de marketing há mais de 30 anos e é colunista da rádio Jovem Pan de São Paulo.
PAULÃO, O ESTABANADO
Eu já escrevi aqui que na minha época de indústria automobilística, aconteceram várias histórias irresponsáveis. Quase todas tiveram consequências graves, mas outras, apesar do aperto momentâneo, hoje chegam a ser engraçadas. Uma dessas histórias aconteceu com o Paulão. O Paulão era famoso por ser um grande estabanado, derrubava tudo o que via pela frente, era só passar por perto de alguma coisa quebrável, podem acreditar, que ele quebrava, sempre sem querer, mas quebrava.
Uma vez eu e o Paulão estivemos em uma das últimas mansões da Avenida Paulista, em São Paulo, de uma família tradicionalíssima – daquelas do século passado – cujos primeiros donos foram os grandes barões do café. Era um casarão enorme, em um terreno de uns de 10 mil metros quadrados e de uns 300 anos de idade e hoje já tombada. Fomos até lá para encontrar a matriarca da família, uma distinta senhora de uns oitenta anos. A ética me impede de dizer o nome dessa família, mas que era uma família nobre era. Já falida, mas nobre, essa senhora vivia no casarão apenas do aluguel do próprio casarão para festas e eventos. Vivia também de lembranças. Essa mansão em que ela morava era uma espécie de antiquário de luxo, repleta de peças de valor inestimável. Fomos lá, eu e o Paulão, para tentar convencer essa senhora a nos deixar utilizar aquela casa para um evento de lançamento de um novo automóvel em troca de uma bela quantia em dinheiro. Nossa proposta seria utilizarmos o jardim para colocar três ou quatro carros e um dos salões para o jantar e a exibição do filme de lançamento do veículo.
Ao chegarmos naquela incrível mansão, o mordomo, que mais parecia um personagem saído de um filme de terror, nos levou até o salão de inverno e ficou lá conosco, um pouco distante, como se estivesse nos vigiando e sem falar uma única palavra. O salão era imenso, o chão era de mármore branco importado, possuía mesa de luxo, sofás antigos, prateleiras, duas enormes lareiras e estava cheio de obras de arte, com esculturas por todos os lados. Dois enormes vasos decoravam o pé da imensa escada com corrimão dourado que levava à área intima no primeiro andar. Uma maravilha de casa! Mas o Paulão, em vez de sentar e ficar quieto esperando a dona da casa, começou a andar pelo salão – para ver tudo de perto – e logo depois começou a mexer em todas as peças que encontrava pela frente. O mordomo só olhava. Eu, mesmo sabendo que o Paulão era um estabanado, só para ver até onde ele iria, fiquei quieto.
Depois de uns dez minutos, a senhora surgiu na parte superior da casa, começou a descer a escada de mármore com a classe de uma diva do cinema antigo; mas, ao chegar ao meio da escada e ver que o imbecil do Paulão estava com um daqueles imensos vasos nas mãos, que aliás o idiota pensava ser de gesso, ela paralisou e olhou para o mordomo, que imediatamente o avisou: “Sir Paulo, cuidado que esse vaso é da dinastia Ming”.
Como o único Ming que o Paulão conhecia era o goleiro japonês do time da fábrica para a qual trabalhávamos, e sem perceber que a madame já estava por perto, ele quis “brincar” com o mordomo e falou, “há esse vaso é do Ming… então pega”, e ameaçou jogar o vaso. O vaso ficou em suas mãos, mas sua tampa voou uns três metros e caiu na frente do mordomo, virando pó.
A madame, vendo tudo, se segurou no corrimão da escada para não cair. O mordomo ficou estatelado no chão depois de uma voada espetacular para tentar agarrar a tampa do vaso, e, eu desprovido de qualquer solidariedade com o Paulão, levantei e saí da casa de fininho, antes que algo pudesse sobrar pra mim. O Paulão ficou lá, estático, só com o vaso nas mãos. Após conseguir respirar e colocar a relíquia no lugar, ele foi ajudar o mordomo a abanar a madame, que quase teve uma síncope, pediu desculpas a todos pelo ocorrido e se comprometeu a pagar o prejuízo, o que até hoje, é claro, não aconteceu. Esse era o Paulão.