Localizada em São Gonçalo do Amarante (CE), a Usina Termelétrica do Pecém, do grupo EDP, implantou sistema compacto para tratamento e reúso dos efluentes resultantes do processo de geração de energia elétrica. Em 2018, o volume de água economizado foi suficiente para abastecer 350 mil pessoas durante um mês.
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O Complexo Industrial e Portuário Mario Covas, mais conhecido como Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), no município de São Gonçalo do Amarante, ocupa uma posição geográfica estratégica no litoral oeste do Ceará. Criado para desenvolver o parque industrial da região, ele está a seis dias de viagem dos Estados Unidos (Terminal Filadélfia), a cinco dias de Cabo Verde (Terminal da Praia) e a sete dias da Europa (Terminal de Algeciras), pontos de embarque e desembarque de cargas dos principais parceiros comerciais do Brasil. Além do Porto do Pecém e de outras empresas, a estrutura do CIPP ainda conta com o Complexo Termelétrico do Pecém, formado pelas usinas UTE Pecém, do Grupo EDP, e Pecém II, da Eneva. Juntas, essas duas usinas são responsáveis pela geração de 70% da energia consumida no Estado e 10% da consumida do Nordeste.
Vista aérea do Complexo Termelétrico do Pecém, em São Gonçalo do Amarante, no Ceará (Foto: Divulgação)
Ocupando uma área de 13.337ha a 50 km de Fortaleza, o CIPP é abastecido pelo Açude Público Padre Cícero, o Castanhão, o maior açude de múltiplos usos da América Latina e o maior reservatório de água doce do Ceará, com capacidade de armazenamento de 6,7 bilhões de m3.  Em 2014, dois anos após a UTE Pecém entrar em operação, o Estado, que vivia a pior crise hídrica dos últimos 100 anos, com a maioria de seus açudes apresentando níveis de água abaixo dos 10% ou mesmo secando integralmente, adotou a política de racionamento. As empresas instaladas no CIPP passaram a ter água racionada e a pagar uma taxa de contingenciamento, o que encarecia demasiadamente o consumo. Apesar de usar carvão mineral colombiano na geração de energia, a UTE Pecém tem a água como segundo componente principal desse processo. O consumo diário de água da UTE Pecém é de 46.667 m3 – 95% dos quais destinados às torres de resfriamento. Desse montante, 94% são evaporados após o processo de troca térmica e os 6% restantes se transformam em resíduos resultantes da desconcentração do sistema. Essa água de resíduos é a purga. A hidrodependência do sistema de resfriamento foi o gatilho para que a UTE começasse a pensar em soluções para manter a operação sem a necessidade da água do reservatório do Estado e sem ficar à mercê do racionamento. A empresa desenvolveu, assim, o “Projeto de Redução do Consumo de Água e Reaproveitamento de Efluente”, que tinha como principais desafios:
  • Reduzir o consumo de água bruta para as torres de resfriamento por meio de diversas melhorias implementadas no sistema;
  • Aumentar os ciclos de concentração das torres, por meio da utilização de um oxidante forte, tecnologia inovadora para esse tipo de processo;
  • Reutilizar os efluentes industriais como make-up das torres de resfriamento, por meio do pré-tratamento (floculação/decantação/filtração);
  • Contribuir com a disponibilidade de água para o abastecimento da população da Região Metropolitana de Fortaleza, já que o complexo captava água do mesmo reservatório.
O projeto consistiu na aplicação de uma tecnologia inovadora para o tratamento de água do sistema de refrigeração. Como a perda de água na troca térmica se dá por evaporação e desconcentração, o desafio era aumentar o ciclo de concentração das torres de resfriamento, possibilitando que a água passasse mais tempo dentro do sistema sem causar danos à eficiência do processo antes de ser descartada. Esse perfil de descarte teve uma redução de 66,6% após a implantação do projeto. Além disso, foi adotada uma nova tecnologia de tratamento de efluentes que permite reaproveitar parte desse descarte misturado aos demais efluentes presentes no complexo termoelétrico. Somente em 2018, o projeto trouxe como principais resultados o reaproveitamento de aproximadamente 256 mil m3 de efluentes; a redução de mais de 1 milhão de mno consumo de água e uma economia de R$ 3,4 milhões. O volume de água economizado seria suficiente para o abastecimento mensal de cerca de 350 mil pessoas – sete vezes mais do que a população de São Gonçalo do Amarante, onde está localizada a Usina.
Para desenvolver o projeto, a empresa montou uma equipe de 15 pessoas. No estudo sobre o sistema de resfriamento, essa equipe observou que toda economia de água deveria vir do tratamento dos efluentes, já que a água perdida por evaporação na troca térmica não podia ser recuperada. Com o objetivo de manter a água residual no sistema por mais tempo, diminuindo a purga, o grupo fez uma análise das características dos efluentes industriais e da água bruta fornecida pela concessionária e que era usada nas torres de resfriamento. Essa análise comparou itens como pH, condutividade, cor, turbidez, sólidos em suspensão, cloretos e sílica. Com esses dados em mãos, o grupo pesquisou tecnologias que pudessem ser utilizadas no tratamento dos efluentes gerados e na redução da purga e dividiu o projeto em duas fases: 1 – Redução do consumo de água – Essa fase, ocorrida em 2016 e 2017, consistia na troca da tecnologia de tratamento dos compostos orgânicos e microbiológicos do sistema de resfriamento, com o objetivo de manter a água residual mais tempo no sistema de sem comprometer os equipamentos. Até então, a água residual era tratada com hipoclorito de sódio, em concentrações determinadas pela outorga de licenciamento da usina para evitar contaminantes. No entanto, nesse processo natural, o hipoclorito gerava subprodutos que obrigavam o uso de outros compostos químicos para equilibrar o pH da água e a manutenção da purga a níveis mais elevados.
A solução encontrada foi substituir o hipoclorito por um composto que gerasse menos subprodutos. A tecnologia americana Purate, contratada na forma de serviço, fazia uma combinação de clorato de sódio com peróxido de hidrogênio a partir da reação com ácido sulfúrico. O dióxido de cloro resultante tratava a água residual de forma semelhante ao hipoclorito, mas gerava menos subprodutos, permitindo que a água residual com contaminantes ficasse mais tempo no sistema – de 12 a 15 ciclos de concentração da torre em vez dos 3,5 a 5 – sem comprometer os equipamentos. Esse tratamento químico diferenciado na água fez com que a vazão de descarte por unidade caísse de 150 m3/h para 40 m3/h – uma redução em torno de 66% da água purgada do sistema. Entre a importação do equipamento, a montagem da estrutura e o início do novo processo, essa fase durou quatro meses. O investimento no tratamento de água dos sistemas de torres de resfriamento é de R$ 0,15/m3 em produtos químicos. 2 – Reaproveitamento dos efluentes – Nessa fase, a equipe dimensionou uma Estação de Tratamento de Esgotos Industrial (ETE), com estrutura ocupando no máximo 15m2, pudesse ser instalada rapidamente, pois a usina não tinha tempo, espaço ou budget para construir uma ETE convencional. A ETE compacta deveria utilizar um processo de clarificação da água com alto desempenho e combinar as vantagens de floculação forçada por microareia com floculação e decantação lamelar. O equipamento compacto permitiria a rápida implantação, e a adição de microareia tornaria a decantação mais rápida e eficiente que o processo físico-químico convencional. Além disso, a ETE deveria ter capacidade de vazão da purga de 200m3/h, de forma a manter a integridade dos equipamentos.
A Actiflo foi levada em um caminhão e instalada no sistema de tratamento de águas
A intenção era favorecer o reúso dos efluentes sem impactar no processo. A escolha recaiu sobre a ETE modular Actiflo, da francesa Veolia. Do tamanho de um contêiner, a ETE foi levada para a UTE Pecém na carroceria de um caminhão e instalada no sistema de efluentes para se transformar em uma estação de tratamento de alta performance. A inovação do Actiflo está no uso da microareia (partículas entre 50 e 100 µm)  como agente acelerador de decantação (clique aqui para ver o vídeo, em inglês, explicando o funcionamento da Actiflo). Entre importar o equipamento e entrar em operação, a UTE levou outros quatro meses. A UTE Pecém pôde redirecionar para a ETE modular não apenas a purga das torres de resfriamento, mas toda água da chuva, das torres, do processo de geração de energia e do sistema de tratamento de água que era coletada e armazenada nos tanques da estação de tratamento de água. Até então, esse efluente que passava por um tratamento inicial era enviado para a concessionária estadual, onde era novamente e descartado pelo emissário submarino. Com a nova tecnologia, água e efluentes armazenados nos tanques ou gerados eram tratados e reaproveitados na própria usina – em torno de 60% dos efluentes gerados nas torres de resfriamento voltaram a ser usados no sistema de refrigeração. Com isso, o envio de efluentes para tratamento na concessionária do Estado caiu para cerca de 40%. O volume de efluentes reaproveitados hoje é de 44 mil m3/mês – quase um dia todo de abastecimento de água do Complexo Termelétrico do Pecém.

RESULTADOS

Todas as etapas obedeceram às políticas de compliance, tanto na formação de parceria com os fornecedores quanto na divulgação dos resultados, que são auditados pela KPMG. O projeto é permanente e está em constante evolução. O sistema de tratamento de efluentes entrou em operação em setembro de 2017, mas o início dos resultados passou a ser computado a partir de janeiro de 2018. Além dos benefícios sociais e ambientais, o projeto proporcionou uma economia de mais de R$ 5,5 milhões em 2018 com o custo de aquisição e tratamento da água e destinação dos efluentes, em relação à media dos quatro anos anteriores. Resultados quantitativos:
  • Reaproveitamento de 256.447m³ de efluentes;
  • Redução do consumo de água de 1.071.914m³ em relação à média dos últimos 4 anos, que representa uma economia de R$ 3.460.147,78, que seriam gastos com aquisição, tratamento químico e destinação dessa água ou efluente (para este cálculo não está sendo levado em consideração a taxa contingencial por restrição hídrica, que seria de R$ 3,101/m³; caso fosse considerada, esse valor chegaria em R$ R$ 6.061.000,00);
  • Redução no volume e no custo de movimentação interna e externa de parte desses efluentes por meio de caminhão-tanque de empresa terceirizada:
    • Resultado 2017 – 40.952m³ movimentados, o que representou um custo de R$ 2.718.998,84;
    • Resultado 2018 – 14.676m³ movimentados, o que representou um custo de R$ 718.139,23. Economia de mais de R$ 2.000.859,61 em relação a 2017.
  • Economia total: R$ 5.461.007,39
Resultados qualitativos:
  • Ambiental: redução do consumo de água e emissão de efluentes;
  • Socioeconômico: O volume de água economizado durante o ano de 2018 superou o volume de 1 milhão de m³, suficientes para abastecimento de uma população de aproximadamente 350 mil pessoas em um mês durante sete meses. Houve ainda a redução de 37,5% do volume outorgado de captação de água da concessionária pública (de 800 l/s para 500 l/s). O Governo do Estado do Ceará pôde ofertar essa diferença à sociedade ou a novos negócios;
  • Performance de processo: nova tecnologia de tratamento de água adotada resultou também em uma maior autonomia do sistema de resfriamento para o circuito água/vapor, aumentando as campanhas entre drenagem e limpeza do sistema condensador;
  • Otimização da rotina operacional: redução do fluxo de caminhões-tanques realizando a movimentação de parte do efluente para tratamento externo.
Segundo Daywison Santos, gerente operacional da UTE Pecém, o projeto reforça o compromisso da EDP com a sociedade através de ações que visam à sustentabilidade ambiental; agrega valor por meio da inovação, trazendo ações que objetivam o uso racional de recursos, tanto naturais quanto financeiros; e traz o reconhecimento por parte dos clientes internos, colaboradores, sociedade e órgãos governamentais.

A EDP BRASIL

Com mais de 20 anos de atuação, a EDP é uma das maiores empresas privadas do setor elétrico a operar em toda a cadeia de valor. A companhia, que atua na geração, distribuição, transmissão, comercialização e serviços de energia, tem mais de 10 mil colaboradores diretos e terceirizados. A empresa possui seis unidades de geração hidrelétrica e uma termelétrica, e atende cerca de 3,5 milhões de clientes pelas suas distribuidoras em São Paulo e no Espírito Santo. Recentemente, tornou-se a principal acionista da Celesc, em Santa Catarina. Há 13 anos consecutivos integra o Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3. A UTE Pecém, que entrou em operação em 2012, tem capacidade total de geração de energia de 720 MW.